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quinta-feira, 14 de abril de 2011

As doenças tiroidianas autoimunes (DAIT)

As doenças tiroidianas autoimunes (DAIT), consideradas
como arquétipo das doenças autoimunes
órgão-específicas, afetam de 2% a 5% da população
geral, em especial mulheres adultas e idosos e são
determinadas pela perda da autotolerância imunológica.
São causadas possivelmente pela combinação de
múltiplos fatores, genéticos e ambientais, mas a identificação
e o papel de cada um desses fatores de suscetibilidade
ainda não estão bem definidos. Envolve
espectro de fenótipos cujos principais representantes
são a doença de Graves (DG) e a tiroidite de Hashimoto
(TH), ambas caracterizadas pela presença de infiltrado
linfocítico de intensidade variável e produção
de autoanticorpos tiroidianos dirigidos a antígenos específicos,
determinantes da expressão clínica da enfermidade,
que pode variar do hiper ao hipotiroidismo.
Outras formas de DAIT incluem a tiroidite pós-parto,
a tiroidite silenciosa, a tiroidite induzida por
α-interferon e a tiroidite que acompanha as síndromes
autoimunes poliglandulares . A tiroglobulina
(TG), a tiroperoxidase tiroidiana (TPO) e o receptor
do TSH (TSHR) são considerados os principais autoantígenos
tiroidianos específicos na resposta autoimune
tiroidiana .
Existem evidências sólidas da interação de múltiplos
fatores, genéticos e ambientais, para o desenvolvimento
da DAIT. A predisposição genética é provavelmente predominante,
responsável por, aproximadamente, 80% da
suscetibilidade à DAIT, em que alelos do complexo
maior de histocompatibilidade (MHC) e lócus
não-MHC, como polimorfismo no gene antígeno-4
associado ao linfócito T citotóxico (CTLA-4), têm sido
identificados como marcadores de suscetibilidade.
Por outro lado, pelo menos 20% da suscetibilidade seria
determinada por fatores ambientais, como
tabagismo, estresse, infecção, selênio, iodo e drogas,
entre outros.
Os mecanismos pelos quais fatores ambientais desencadeariam
resposta autoimune tiroidiana, em indivíduos
geneticamente suscetíveis, são ainda obscuros, mas a
interação entre gene e ambiente tem sido considerada
como processo fundamental para o desenvolvimento
da DAIT.
Assim, fatores ambientais específicos explicariam o restante
da suscetibilidade, significando que nenhum dos componentes
(genético e ambiental) poderia, isoladamente, determinar
o desenvolvimento da DAIT.
Os efeitos dessas associações entre DAIT e o complexo
MHC são modestos e outros estudos mostraram
resultados conflitantes. Além disso, a suscetibilidade varia
entre grupos étnicos e os estudos em gêmeos mostraram
influência genética muito maior do que o HLA
individualmente.
Determinantes ambientais de suscetibilidade
A participação de fatores ambientais na patogênese da
DAIT também tem sustentação por estudos em gêmeos
homozigóticos, cuja taxa de autoimunidade tiroidiana é
menor que 100% e também por modelos animais de autoimunidade
tiroidiana. A frequência de lúpus eritematoso
sistêmico é significativamente menor em africanos do
que em negros americanos, duas populações derivadas
de um mesmo grupo étnico, mas expostas a ambientes
distintos. Esses dados suportam consistentemente
a hipótese da exposição ambiental como fator desencadeador
da autoimunidade, mas a identificação e o papel
de cada um desses fatores permanecem indefinidos.
A participação de fatores ambientais nos mecanismos
de desenvolvimento da DAIT parece ocorrer desde
a vida intrauterina. Uma explicação seria a associação da má
nutrição fetal com menor peso esplênico e tímico, o que
poderia resultar a maturação precoce do timo e o declínio
das células T supressoras.
Uma das principais características da DAIT, assim
como de outras doenças autoimunes, é sua forte preponderância
no sexo feminino. A DG e a TH são, respectivamente,
de cinco a dez vezes mais frequentes no
sexo feminino em relação ao masculino.
O estresse tem sido frequentemente associado como
fator desencadeador de doença autoimune. A relação da
DG com fatores emocionais desencadeantes foi notada
desde as primeiras descrições, por Graves e Basedow.
A resposta hormonal ao estresse, por meio da ativação
do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, exerce resposta
imune tipo Th2, o que suprime a imunidade celular e
aumenta a humoral, explicando porque certas doenças
autoimunes são frequentemente precedidas por intenso
estresse, entre elas, a DAIT.
O tabagismo é fator de risco importante para a oftalmopatia
da DG, mas não há forte evidência para sua
associação com DG e TH. O aumento da síntese de glicoaminoglicanos
por fibroblastos do tecido retrobulbar
e o aumento da expressão de HLA-DR induzida pela
nicotina em cultura de fibroblastos orbitais são mecanismos
frequentemente citados para explicar associação
com a oftalmopatia de Graves.
Algumas drogas têm sido implicadas no desenvolvimento
de DAIT. O exemplo mais marcante foi o desenvolvimento
de DG em um terço dos pacientes com
esclerose múltipla tratados com o anticorpo monoclonal
humanizado anti-CD52 (Compath – 1H), que suprime
a resposta Th1, mas não a Th2, exacerbando a resposta
humoral e a produção de anticorpos contra o TSHR
(46). Outras drogas, como os agentes retrovirais, o
IFN-α no tratamento da hepatite C, a IL-2 utilizada no
tratamento da infecção pelo vírus HIV, do carcinoma
renal metastático e do melanoma, e o fator estimulador
de colônias de granulócitos e macrófagos têm sido
reportados como indutores de autoimunidade contra a
glândula tiróide.
Agentes infecciosos têm potencial para desencadear processo
autoimune por diferentes mecanismos, entre eles o
mimetismo molecular, quando uma resposta imune a um
autoantígeno é desencadeada pela sua similaridade molecular
com o antígeno estranho por meio de reação cruzada,
pela ativação policlonal de linfócitos autorreativos
e pela liberação de antígenos previamente sequestrados.
O selênio (Se) é um micronutriente essencial para a
síntese de selenoproteínas que exercem papel importante
na síntese, metabolismo e ação dos hormônios tiroidianos;
além disso, modifica a expressão de, pelo
menos, 30 selenoproteínas, entre as quais, as famílias das
selenoenzimas glutationa-peroxidases, tioredoxina-peroxidases
e desiodases tiroidianas. Possui propriedade
antioxidante potente e forma sistema complexo de
defesa que protege o tirócito da lesão oxidativa.
A deficiência de selênio foi associada com bócio e com
hipoecogenicidade da tiróide, aspectos característicos
da TH, enquanto a suplementação com selênio parece
modificar a resposta imune, reduzindo significativamente
os títulos de aTPO e a ecogenicidade tiroidiana em
pacientes com tiroidite autoimune. Recentemente,
observou-se que a suplementação de Se durante a gestação
reduziu a incidência de disfunção tiroidiana e de
hipotiroidismo pós-parto entre as gestantes com títulos
positivos de aTPO.
Entre todos os candidatos a fatores ambientais de
suscetibilidade à DAIT, a concentração de iodo na dieta
assume o papel de fator exógeno principal como modulador
do processo de autoimunidade tiroidiana .
Uma ingestão de iodo adequada é essencial para a síntese
de hormônios tiroidianos e a consequente função
tiroidiana normal; entretanto, em geral, sua deficiência
atenua, enquanto o excesso de iodo acelera a indução de
tiroidite autoimune em indivíduos geneticamente suscetíveis.
O papel do iodo da dieta, como fator
desencadeador de autoimunidade tiroidiana, está bem
documentado em modelos animais. Além disso,
estudos populacionais de monitoramento da deficiência
do iodo após intervenções de sua reposição
e a maior prevalência de DAIT em regiões suficientes
em iodo sugerem forte associação entre a ingestão
de iodo e o desenvolvimento de autoimunidade
tiroidiana. De fato, a incidência de tiroidite autoimune
nos Estados Unidos aumentou concomitante ao progressivo
aumento de iodo na dieta
Patogênese da autoimunidade tiroidiana
Os fatores desencadeadores do processo autoimune
na DAIT não são bem conhecidos, mas admite-se
que o sinal inflamatório inicial seria emitido por lesão
ou necrose celular desencadeada por múltiplos fatores,
como anormalidades genéticas, infecção (virais ou bacterianas),
estresse ou excesso de iodo, com liberação
de autoantígenos, atração e infiltração glandular por
células T e β.
Havendo falha na manutenção da tolerância imunológica,
os autoantígenos não seriam reconhecidos, resultando
ativação de células β e T autorreativas, com
resposta inflamatória excessiva e inapropriada. O recrutamento
de linfócitos na DAIT envolve processo complexo
com atuação de moléculas de adesão e, principalmente,
de quimiocinas, uma família especializada de
citoninas que controlam a migração de leucócitos (quimiotaxia)
durante o processo inflamatório .
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